A degenerescência na fotografia da antropobiologia colonial portuguesa

  • Mariana Gomes da Costa ICNOVA — Instituto de Comunicação da NOVA Universidade NOVA de Lisboa. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Palavras-chave: Antropobiologia, fotografia, corpos colonizados, degenerescência estigmas

Resumo

Pressupondo a existência de uma agenda comum às missões antropológicas na África portuguesa em meados do século XX, este texto aborda o espólio iconográfico inédito da Missão Antropobiológica de Angola (1948, 1950, 1952, 1955). É meu intuito apontar não só os principais objetivos da utilização do dispositivo fotográfico pela antropologia colonial portuguesa como a sua matriz epistemopolítica, irmanando as ciências humanas da an-tropologia, nas suas vertentes física e criminal, e da psi-quiatria. Tomarei como base a degenerescência — a ideia de uma falha biológica ou de um atraso evolutivo afetan-do determinados indivíduos — como noção-chave, ainda operativa, no estudo das populações sob a administra-ção colonial, argumentando que a antropologia colonial, tecnocientificamente suportada pela fotografia dos estigmas — as marcas físicas e/ou psíquicas da degenerencência visíveis ao longo da superfície corporal —, atendeu tanto ou menos à racionalização da exploração do trabalho colonial, no que seria uma agenda primordialmente económica, do que à construção da ideia de uma Nação pluricontinental e multirracial que não deixou nunca, porém, de afirmar a inferioridade física dos corpos coloni-zados como forma de justificar a tutela portuguesa. Sem esquecer o relativo atraso geral de Portugal, aquilo que se verifica é que, de modo a fazer face ao movimento antico-lonial do pós-II Guerra Mundial, a mesma degenerescência que perdera força nalguns terrenos epistemológicos — caso da psiquiatria, cuja viragem de paradigma se deve muito ao apport da psicanálise freudiana — surge ainda como grelha conceptual de leitura dos corpos coloniza-dos, mostrando-se cooptada por uma agenda política de contornos eugénicos. A tarefa do medium fotográfico será aqui de crucial importância: do mesmo modo que presi-dira à construção visual do doente mental, a fotografia presidirá à construção visual do Outro racial.

Publicado
2022-12-30
Como Citar
Gomes da Costa, M. (2022). A degenerescência na fotografia da antropobiologia colonial portuguesa. Revista De Comunicação E Linguagens, (57), 233 –264. Obtido de https://rcl.fcsh.unl.pt/index.php/rcl/article/view/276