O FIM DA NATUREZA: PARADOXOS E INCERTEZAS NA ERA DO ANTROPOCENO E DO GEO-CONSTRUTIVISMO
Résumé
Um desconcertante paradoxo assombra a situação actual do Homem na Terra: o momento em que se percebe que a acção humana sobre o planeta e sobre os seus ecossistemas se transformou na sua principal força de constituição – artificial – e inaugurou uma nova época geológica – o Antropoceno – é também o momento em que se percebe que – apesar de nos parecer reforçada a nossa posição antropocêntrica no controlo do planeta – se está perante uma circunstância de extrema precariedade ecológica do mundo.
Em causa estão não apenas as condições de sustentabilidade do meio natural, como também um repensar do conceito de natureza, a qual, ora eufórica ora tragicamente, tem sido vaticinada a um fim precoce. Por um lado, declara-se o fim da natureza porque, como que perdendo a sua causalidade própria, terá deixado de ser o plano de fundo, o meio envolvente e autónomo contra o qual exercemos a nossa actividade enquanto humanos. Por outro, o fim da natureza significa a entrada numa fase histórica em que, como se o processo de modernização estivesse completo, se pode instaurar uma segunda natureza, uma natureza híbrida, humanizada, artificializada. Perante o alarme da falência do planeta, responde uma mitologia geo-construtivista: a Terra como um novo planeta pós-natural que pode ser reconstruído e pilotado através dos potenciais de uma engenharia absoluta.
Em suma, o invocado fim da natureza não significa o seu desaparecimento, mas a consciência de que na era geológica do Antropoceno, a natureza, numa espécie de ciclo vicioso, não pode mais ser vista sem que seja em colapso e/ou em reconstituição.
Reduzindo à escala urbana o fenómeno planetário, o movimento das cidades inteligentes exemplifica crise ambivalente. Enquanto complexos de soluções optimizadas para a gestão dos recursos naturais ou para a redução dos efeitos de poluição, as novas cidades ecológicas propõem-se como o principal reduto para inverter a tendência de degradação natural da Terra. Ao mesmo tempo – e sobretudo se tivermos em conta os complexos urbanos construídos de raiz, como Songdo (Coreia do Sul), Dongtan (China) ou Masdar (Abu Dhabi) – as cidades inteligentes reflectem por excelência a concretização de ambientes totalmente computarizados, interligados e sinteticamente controlados, do trânsito à vegetação ou à meteorologia. Regidos por um planeamento técnico ubíquo, são espaços de isolamento e de limites que des-naturalizam as relações, perpetuando e intensificando o projecto moderno científico que, desde Galileu ou Descartes, propunha racionalizar, dominar e possuir a natureza.
Antropoceno, geo-construtivismo, natureza, artificial, cidade inteligente.
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