O Estado do Mundo: Práticas Abolicionistas de Leitura

  • Hadley Howes Queen’s University, Canada
Palavras-chave: fotografia, poesia, colonialismo, abolição, estética

Resumo

O daguerreótipo de Louis Jacques Mandé Daguerre, Bou-levard du rue Temple huit heures du matin (1838), marca um momento monumental na história de (o que Ariella Aïsha Azoulay denomina) “tecnologia imperial” da fotografia (2019). Essa imagem tem sido historicamente celebrada no cânone ocidental como documentando “o primei-ro ser humano a ser fotografado” (Brand 2018, 202): um “homem a fazer engraxar as suas botas” que ficou para-do tempo suficiente para que a exposição de dez minu-tos impressionasse a sua imagem-estátua sobre a placa (anon. “Die Lichtbilder” 1839, 91). No entanto, Dionne Brand vê a fotografia de outra forma, escrevendo na sua poesia/ensaio The Blue Clerk que, nessa imagem, ela vê “o estado do mundo” (2018, 40). A visão de Brand a respeito da imagem — de relações vividas e intimidades que esca-pam à captura pelas lâminas do obturador — é a contra--leitura que a poeta nos desafia a trazer ao arquivo colo-nial. Dylan Rodriguez define uma “prática abolicionista de leitura” como uma leitura para além do que é ime-diatamente percebido e que passa a incluir as condições sob as quais a informação emerge. Se as condições para o surgimento do daguerreótipo do “boulevard”, e a sua inscrição no arquivo como um evento monumental, estão enraizadas em poderes imperiais que procuram conhe-cer, possuir, fazer e destruir mundos, então reconhecer e levar em conta essas condições é, segundo Azoulay, um método para tratar do “momento recorrente da violência original”, e começar a “desaprender o imperialismo”. A leitura feita por Brand do daguerreótipo do “boulevard” demonstra um processo de desaprendizagem do imperia-lismo e uma prática de leitura abolicionista. Ao examinar as condições da história do daguerreótipo como um ar-tefato monumental de tecnologia imperial e seguindo os traços da prática de leitura de Brand (enquanto poesia), este trabalho — através: de descrições jornalísticas (1839); de experiências especulativas dos fotografados por Joseph T. Zealey nos retratos em daguerreótipo (1850); das experiências de Edweard Muybridge na documentação do gesto (1884); e dos longos tempos de exposição foto-gráfica de Hiroshi Sugimoto na série Theatres (1976 até ao presente) — ensaia métodos de leitura que libertem do domínio da estética colonial e transformem o mundo no que é, assim, possível.

Publicado
2022-12-30
Como Citar
Howes, H. (2022). O Estado do Mundo: Práticas Abolicionistas de Leitura. Revista De Comunicação E Linguagens, (57), 45-66. Obtido de https://rcl.fcsh.unl.pt/index.php/rcl/article/view/267