O FIM DA NATUREZA: PARADOXOS E INCERTEZAS NA ERA DO ANTROPOCENO E DO GEO-CONSTRUTIVISMO

  • Manuel Bogalheiro Universidade Lusófona do Porto, Porto [PT] 

Resumo

Um desconcertante paradoxo assombra a situação actual do Homem na Terra: o momento em que se percebe que a acção humana sobre o planeta e sobre os seus ecossistemas se transformou na sua principal força de constituição – artificial – e inaugurou uma nova época geológica – o Antropoceno – é também o momento em que se percebe que – apesar de nos parecer reforçada a nossa posição antropocêntrica no controlo do planeta – se está perante uma circunstância de extrema precariedade ecológica do mundo.

Em causa estão não apenas as condições de sustentabilidade do meio natural, como também um repensar do conceito de natureza, a qual, ora eufórica ora tragicamente, tem sido vaticinada a um fim precoce. Por um lado, declara-se o fim da natureza porque, como que perdendo a sua causalidade própria, terá deixado de ser o plano de fundo, o meio envolvente e autónomo contra o qual exercemos a nossa actividade enquanto humanos. Por outro, o fim da natureza significa a entrada numa fase histórica em que, como se o processo de modernização estivesse completo, se pode instaurar uma segunda natureza, uma natureza híbrida, humanizada, artificializada. Perante o alarme da falência do planeta, responde uma mitologia geo-construtivista: a Terra como um novo planeta pós-natural que pode ser reconstruído e pilotado através dos potenciais de uma engenharia absoluta.

Em suma, o invocado fim da natureza não significa o seu desaparecimento, mas a consciência de que na era geológica do Antropoceno, a natureza, numa espécie de ciclo vicioso, não pode mais ser vista sem que seja em colapso e/ou em reconstituição.

Reduzindo à escala urbana o fenómeno planetário, o movimento das cidades inteligentes exemplifica crise ambivalente. Enquanto complexos de soluções optimizadas para a gestão dos recursos naturais ou para a redução dos efeitos de poluição, as novas cidades ecológicas propõem-se como o principal reduto para inverter a tendência de degradação natural da Terra. Ao mesmo tempo – e sobretudo se tivermos em conta os complexos urbanos construídos de raiz, como Songdo (Coreia do Sul), Dongtan (China) ou Masdar (Abu Dhabi) – as cidades inteligentes reflectem por excelência a concretização de ambientes totalmente computarizados, interligados e sinteticamente controlados, do trânsito à vegetação ou à meteorologia. Regidos por um planeamento técnico ubíquo, são espaços de isolamento e de limites que des-naturalizam as relações, perpetuando e intensificando o projecto moderno científico que, desde Galileu ou Descartes, propunha racionalizar, dominar e possuir a natureza.

 

Antropoceno, geo-construtivismo, natureza, artificial, cidade inteligente.

Biografia Autor

Manuel Bogalheiro, Universidade Lusófona do Porto, Porto [PT] 

Manuel Bogalheiro é professor na Faculdade de Comunicação, Artes, Arquitectura e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona do Porto, na qual dirige o Doutoramento em Arte dos Media. É doutorado em Ciências da Comunicação, especialidade de Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias (FCSH-UNL), com uma tese intitulada “Materialidade e Tecnicidade: investigação sobre a objectualidade técnica”, tendo sido bolseiro FCT. Investiga e publica nas áreas da filosofia da técnica, da teoria dos media e da cultura.

Manuel Bogalheiro teaches in the Faculty of Communication, Architecture, Arts and Information Technologies at Lusófona University of Porto, where he is the director of the PhD in Media Arts. He has a PhD in Communication Sciences – Contemporary Culture and New Technologies (FCSH-UNL), with a thesis entitled "Materiality and Technicity: On the Technical Objectuality". He was a FCT research fellow. He researches and publishes in the fields of philosophy of technique, media theory and culture.

 

Publicado
2018-04-17
Como Citar
Bogalheiro, M. (2018). O FIM DA NATUREZA: PARADOXOS E INCERTEZAS NA ERA DO ANTROPOCENO E DO GEO-CONSTRUTIVISMO. Revista De Comunicação E Linguagens, (48). Obtido de https://rcl.fcsh.unl.pt/index.php/rcl/article/view/68
Secção
Artigos