Nostalgia, o cancelamento do futuro e o arquivo paradoxal

  • Manuel Bogalheiro Universidade Lusófona do Porto / Faculdade de Comunicação, Artes, Arquitetura e Tecnologia da Informação / CICANT

Resumo

O esgotamento da noção de utopia — cujo espírito ba- seado na crença optimista num futuro melhor marcou a Modernidade ocidental — abriu espaço para uma outra que, progressivamente, ganhou centralidade na cultura contemporânea: a noção de nostalgia (Fredric Jameson). Por um lado, esta noção carrega em si a ideia de que a Mo- dernidade é um projecto inacabado (Jürgen Habermas), cujas promessas não se chegaram a realizar, mas em re- lação às quais há um constante retorno. Por outro lado, e consequentemente, a nostalgia liga-se à percepção cultu- ral de uma certa exaustão da temporalidade histórica ou da ideia de progresso. Em suma, se já não estamos certos de que o futuro se vai concretizar, estamos presos no presente e, portanto, resta-nos rememorar, não apenas o passado, mas o próprio presente, numa espécie de ciclo vicioso que pode ser lido como um lento cancelamento do futuro (Bifo Berardi). A partir desta leitura cultural, perspectivas crí- ticas sugerem que os media e as indústrias culturais ac- tuais favorecem este impasse — configurado como nos- tálgico — porque insistem em fórmulas familiares que mais não fazem do que recuperar modelos repetidos sem oferecerem alternativa para a produção da heterogeneida- de (Mark Fisher). O arquivo surge, então, numa dimensão paradoxal. Por um lado, poder-se-á assumir que todos os media são meios de registo que trabalham, sobretudo com a digitalização geral, a constituição de um arquivo universal que tudo guarda. Por outro lado, de que arqui- vo poderemos falar na época de um eterno presente, sem alternativas, que apenas reescreve ou sobre-escreve as re- ferências simbólicas da actualidade? Perante esta aporia, importa-nos aqui pensar o modo como certas abordagens artísticas (o uso do crackle na música de Caretaker ou de Burial; a arqueologia da materialidade do cinema na obra de Tacita Dean, a reprodutibilidade do arquivo no traba- lho de Mark Leckey) têm procurado expor o modo como os media materializam a memória, abordagens, que a partir de uma abertura disruptiva da noção de nostalgia, questionam a temporalidade do presente e da própria História (Walter Benjamin).

Nostalgia | Futuro | Arquivo | Memória | Materialidade | Arqueologia

Biografia Autor

Manuel Bogalheiro, Universidade Lusófona do Porto / Faculdade de Comunicação, Artes, Arquitetura e Tecnologia da Informação / CICANT

Professor na Faculdade de Comunicação, Artes, Arquitectura e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona do Porto, na qual dirige o Doutoramento em Arte dos Media. É doutorado em Ciências da Comunicação, especialidade de Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias (FCSH-UNL), com uma tese intitulada “Materialidade e Tecnicidade: investigação sobre a objectualidade técnica”, tendo sido bolseiro FCT. É investigador integrado no Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT). Investiga e publica nas áreas da filosofia da técnica, da teoria dos media e da cultura.

Publicado
2020-05-23
Como Citar
Bogalheiro, M. (2020). Nostalgia, o cancelamento do futuro e o arquivo paradoxal. Revista De Comunicação E Linguagens, (52). Obtido de https://rcl.fcsh.unl.pt/index.php/rcl/article/view/31
Secção
Artigos