Transparência(s) da radiografia e da fotografia
Resumo
Aplicando o conceito de transparência ao corpo humano, este texto parte de uma breve comparação entre os media radiográfico e fotográfico ao nível da sua recepção científica durante o século XIX. Constatamos que a possibilidade de uma transparência efetiva ou literal aportada pela radiografia, na sua capacidade de aceder visualmente ao interior orgânico, era já, de algum modo, pressuposta para a fotografia desde a sua apropriação pela classe científica, em meados daquele século, a crença na omnisciência da tecnologia fotográfica atribuindo-lhe o poder de superar os sentidos para dar a ver o invisível. Analisaremos, em particular, o uso dito científico que a psiquiatria fez da fotografia, com base na teoria da degenerescência e nos stigmata por ela determinados. No retrato dos estigmas, a fotografia é assumida como uma ferramenta tecno-semiótica de tipo indiciário, estabelecendo uma comunicação entre o exterior e o interior do corpo fundada numa transparência de natureza não efetiva mas de tipo simbólico, apontando não uma lesão concreta mas uma predisposição orgânica geral do indivíduo degenerado. O uso da fotografia por parte da psiquiatria desta época, vital para o seu desenvolvimento enquanto disciplina médica, é sustentado por uma forte ancoragem política: ao assinalar a degenerescência ou a anormalidade patológica a partir dos estigmas, a psiquiatria tem como leitmotiv a exclusão social de corpos avaliados como desviantes a uma norma pré-definida.
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